ESTRATÉGIAS DA REPRESENTAÇÃO -
Lázaro Barreto.
(Mensagem aberta ao crítico literário Mauricio José de
Faria, que brindou-me com o livro (inédito) de titulo em epígrafe a respeito de
meu livro “Aço Frio de Um Punhal).
É a primeira vez que me sinto diante de um espelho sem me
ver feio ou paupérrimo, mas sim bem perfilado e lúcido a ponto de reconhecer
não o reflexo deformado de certos enfoques apressados ou biliosos, mas sim a
nítida transparência de um close retocado e enquadrado nos ângulos criteriosamente
estudados.Uma análise que valoriza o objeto em pauta ao refundir sua concepção
e quase recriá-lo no calor da releitura. E de repente o que estava no
esquecimento (morto e sepultado?) abre os olhos, airosamente, levanta das
páginas como que em novas impressões, ainda a esfregar os olhos e
espreguiçando, mas já refeito e apto a encetar novas ações e imaginações.
A necessidade do crítico na literatura reside justamente aí,
no afã da incursão e da iluminação do cenário da obra, agora visto de tão perto
a ponto de se ouvir o balbuciar e o fluir (penosos ou não, contrafeitos ou não)
de sua respiração, como se o crivo da crítica estivesse reescrevendo a obra ao
escrever involuntariamente outra obra do mesmo gênero em prosa ou verso que
pode ser até melhor do que o da referência. É o que faz Maurício José de Faria
no belo ensaio a respeito de meu “Aço Frio de Um Punhal” (Edit. Guanabara, RJ,
esgotado). A escritura dele afina tão bem com a leitura empreendida que a
correlação escritor\leitor se evidencia a ponto de suprimir a distância
geralmente existente nas obras predominantemente acadêmicas, que não é o caso
desta. Tudo acontecendo como se o leitor estivesse escrevendo?
Folgo muito de ter em mãos um trabalho de fôlego que é
também leve e profundo, arguto e fluente, legível e erudito. Fico muito feliz
em merecer (?) o primeiro fruto de uma prospecção apresentada com tanta
expressividade, augurando desde já, que persevere no avançamento de um caminho
repleto de desníveis e saliências, que leva à paisagem da beleza cognitiva: é
só firmar o olhar na caminhada que logo defrontará as esferas e os quadrantes,
os campos e as matas, o oxigênio e a orquídea desafiando e aguardando quem
deliberadamente aceita o pacto da impregnação eletiva, tácita e espontânea
osmose. Fico feliz em prognosticar que meu livro vai encabeçar uma audaz e
numerosa bibliografia do escritor Maurício José de Faria.
É desejável e necessário que toda essa gama de
potencialidade supere o rol das dificuldades editoriais e possa enfaticamente
ascender ao primeiro plano do palco, atualmente tão desfalcado, da crítica da
crítica literária brasileira. O domínio da linguagem, as propensões da argúcia
e da escritabilidade legível estão mais que demonstradas e agora é clicar e
mover os mecanismos. E quem sabe ele já não está aí no seu canto de silêncio
programado e exercitando os novos trabalhos que preencherão tantas lacunas,
desfazendo tantas obscuridades, e que completarão tanto iluminamento numa área
literária necessitada de acordar porque o sol já vai indo alto no céu e as
pessoas na vida continuam a perder seus bens e dons por falta justamente de
quem perfaça o encontro desses bens de um modo mais inteligente e legível?
A leitura do presente ensaio foi entrecortada de airosas e
pungentes emoções, porque virava e mexia eu estava lá nos contos, a escrevê-los
novamente. E mesmo absorvido no arranjo vocabular do ensaísta, agudamente
esculpido no cerne da edificação crítica, eu recobrava outras absorções,
principalmente a de que ali se falava de algo meu e não apenas do que me
entretinha. Como o retrato na parede que tanto doía no Drummond. A leitura do
texto dele transigia de um ânimo a outro, de um perdido para um recuperado em
novas cores e tons, agora distinguindo e aglutinando o que é momentâneo e permanente
na vida. A embaraçosa sensação de se estar ouvindo falar de si de uma forma
distante e inesperada, mas tão calorosa, como se estivesse acordando de uma
divagação, a se interrogar sobre o que fez, o que disse, a recobrar o ânimo,
tal como a folha que se julgava morta e que agora, mesmo arrancada, é novamente
ungida de luz e do calor de um velho coração abatido, porém vivaz. É assim que
humildemente ao fim da leitura, bato no peito para tentar saber por que acabo
de merecer tanta distinção.
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